É bem difícil estar e conviver com o sentimento confuso que é gostar e odiar ao mesmo tempo. É como houvesse algo que nos colocasse próximos, e nos retivesse a estar juntos, e falar sempre com o outro. É como se, se não nos falássemos, fôssemos estragar qualquer coisa de esperança em nós mesmos, nos arrancar um pedaço do futuro que existe por causa do outro. Nós pressentimos esse futuro como ele estivesse envolto em uma casca. Ele parece existir, está lá; estar porém dentro de um envólucro afasta de nós o desfrute mais sincero. Põe a ser uma esperança o desfrute, cerca-o de incerteza e nos deixa zanzar com a ideia de que fosse melhor não ter esse sentimento, não conhecer o outro. Há uma grande dificuldade em eclodir o ovo. E a cada vez que se a sente, é preciso se afastar, pois há o perigo iminente do que há dentro da casca. Talvez seja um bicho que nos devore a nós por completo e sem piedade. Talvez fosse bom que nos devorasse, porque assim nos daria conhecer juntos seu estômago, e lá fosse quente e úmido e tudo que precisássemos. Por enquanto, não existe bicho. Existe um ovo, existe medo.
Há algo que mim que odeia. Odeia ele. Quer se afastar desse compromisso constante de pensar nele, de manter algo vivo, de fazer existir um bicho vivo que a gente cria junto. Talvez eu pudesse matar esse bicho, deixá-lo morrer, que não é tão importante. Talvez a vida continuasse boa sem ele. Haveria o trabalho, e a faculdade, e os “amigos”, ou a ideia limitada e fantasiosa de um que os conhecidos me permitem construir com alguma ilusão. A solidão é porém certeira. Há um saber não ter ninguém para si, nenhuma dupla, ninguém que se importe com você antes de se lembrar de qualquer outra pessoa. É saber que todos os encontros são interesse, mesmo os mais ingênuos, mesmo os mais bem intencionados interesses. Com ele, não é interesse. Há algo que me põe responsável. Que me põe dentro antes que eu me pergunte o porquê, e antes que surja qualquer resposta inútil em palavras. Estamos juntos na vida. A vida é uma coisa de muitas gentes passeando e procurando pelo mundo. De um vazio, as pessoas se encontram e depois se desencontram como nem existiu o encontro a um tempo. Passam, e procuram e continuam a procura. Ele é como um encontro que não acabou, permaneceu. É uma procura não solitária, é uma consciência onipresente de estar próximo.